segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014


A Virgem Maria diante da Queda e da Salvação

Pintor do gótico tardio, Lambertini ilustra aqui a ligação doutrinal entre a Árvore do pecado original e a cruz da Redenção: esta, segundo uma tradição muito antiga, seria feita da mesma madeira da Árvore do pecado.

Maria adormecida vê em sonho a síntese entre a Queda e a Salvação (Museu do Luxemburgo, O Renascimento e o sonho).

Michele di Matteo Lambertini, O sonho da Virgem (c. 1440)
 
O blog entrevistou a doutora Ivoni Richter Reimer, professora do doutorado em Ciências da Religião da PUC Goiás. Ela fez uma análise esperta das relações de gênero presentes no quadro O sonho da Virgem. Leia abaixo.
São muitas as cenas pictóricas de visões ‘do lado de lá’ na história da arte. Em sonho, mulheres e homens acessam o mundo d’além, impregnado de imaginários e mentalidades da época.
Em 1440, Michele di M. Lambertini expressou isto, tematizando eixos centrais da teologia da época na tela em têmpera Le Rêve de La Vierge. Nela, as simbólicas da queda e da salvação (Adão, Eva, maçã, nudez, serpente personificada, árvore do conhecimento, o crucificado) são mediadas pela Virgem, interpretada na dogmática como o reverso de Eva.
Pais da Igreja apregoavam que se uma mulher (Eva) abriu as portas para o pecado no mundo, a outra (Maria) as abriu para a salvação do mundo, por meio do nascimento de seu filho Jesus.
A simbólica e a interpretação do bem e do mal formam uma unidade complexa e polissêmica: a árvore é simultaneamente a cruz, e a sua sobreposição aponta para a superação do mal; os humanos são sujeitos de discernimento e ação.
A ideologia aristotélica de equiparar ‘natureza e feminino’ retorna forte no renascimento, aqui especificamente na personificação feminina da serpente, que tece um ‘fio’ direto entre os olhos e olhares da mulher e da serpente.
Hermenêuticas feministas criticam a culpabilização de Eva e de todas as mulheres que não se alinham com as representações femininas tecidas dogmaticamente a partir de Maria e propõem outros significados para a interação entre Eva e a serpente, como busca do conhecimento, astúcia e transgressão de normas patriarcais, objetivando a construção de relações de igualdade, respeito às diferenças e reciprocidade.
 
 

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