domingo, 30 de março de 2014

Os hampatong

Guardiões da vila encarregados de caçar os espíritos do mal ou de manter as epidemias à distância, os hampatong são também os servidores dos mortos importantes no além. Às vezes eles também aparecem como a efígie do defunto (Museu do Quai Branly).

Hampatong, Indonésia (séculos XIX-XX)

sexta-feira, 28 de março de 2014

Não encontrei o Brasil

A arquitetura do Museu do Quai Branly justifica a saída do quarto quente do hotel. Cedo, quando pisei a calçada, o vento gelado no rosto me disse que estava chovendo. Reagi da melhor forma possível pensando: “ainda bem que está chovendo só um pouquinho...”.

A vista do prédio impressiona. Ele integra harmonicamente vegetação, concreto, vidro, decoração, cores e arte. Já no seu interior, ao longo da rampa de acesso à exposição, palavras deslizam no chão, idiomas se sucedem.

Trata-se de um museu antropológico em que América Central, África e, sobretudo, Ásia estão muito bem representadas. Destaque para as máscaras que simbolizam os entes do mal.

Ao visitar o Museu do Quai Branly, circulei por aqueles labirintos escuros e bem ornamentados e não encontrei o Brasil. Será que a nossa cultura estava lá e eu não vi?

Esculturas, objetos de arte, vestimentas, pinturas, filmes, tudo enfim que dá feição humana ao ser humano está ali se mostrando.

É inevitável concluir que a criatividade humana é definitivamente ilimitada.

A harmonia da diversidade


quarta-feira, 26 de março de 2014

Diálogo dos instrumentos

– O violoncelista mudou, mas tudo o mais permanece o mesmo.

– Vamos ver se vai continuar bom... O violoncelo é a alma do conjunto.

– Desculpe, senhora, mas é o piano a alma da harmonia.

Eu cortei a senhora de mais de 80 anos que tinha puxado conversa comigo e achei que ela podia ficar chateada. Talvez ela entendesse do assunto, enquanto eu simplesmente gosto de música por instinto e prazer. Mas ela logo acrescentou, com voz charmosa:

– O som do violoncelo é parecido com a voz humana. Então ele dá um volume à música que nos faz abrir a alma.

– Entendi. Nunca pensei que o violoncelo pudesse ter esse poder.

Durante o concerto achei que ela tinha razão. O violoncelo tem a capacidade de unir todos os sons. Faz o som do conjunto vir como se fosse um só e não como uma simples soma de cada um dos instrumentos.

Brahms, o terceiro compositor lembrado naquele concerto no Auditorium do Louvre, foi o mais bonito. Seu concerto, opus 8, tem lento somente o terceiro movimento, talvez pra valorizar o último, allegro. Trata-se de uma obra de juventude que se caracteriza pela exuberância, andamento musical que ele vai desdenhar na maturidade.

No segundo movimento, scherzo (que significa brincadeira em italiano), Brahms faz um diálogo entre os instrumentos, momento de destaque da noite.

Já no Palácio do Louvre, a caminho do Auditorium



segunda-feira, 24 de março de 2014

Essa água é bebível?

Os parques parisienses são ricos de ar livre, vegetação, lagos e esculturas. Nesse ambiente, a gente se perde no tempo.

De repente, saí do tempo indefinido e vi duas jovens girando uma manivela em um dispositivo que não identifiquei o que era à primeira vista, mas logo a água começou a correr por uma bica. Elas beberam aquela água gelada com um prazer quente. Perguntei se a água era bebível e elas responderam sim ao mesmo tempo, como se tivessem ensaiado.

Fiquei tentado a fazer o mesmo, mas tive medo de congelar a mão e não fiz a experiência. Não tirei as mãos de dentro do casaco até entrar no Louvre.

Arco do Triunfo do Carousel (em frente ao Louvre)
Rodando a manivelinha, sai água potável
Diana de Versalhes (cópia de estátua romana, em exposição no Louvre)

sábado, 22 de março de 2014

Beleza por beleza, fico com a pista de caminhada do Bairro Feliz!

Alguns amigos comentaram comigo (reclamaram?) que o Bairro Feliz não pode ser comparado com Paris... Que Paris é isso e aquilo. E o que é o Bairro Feliz?

No post anterior, não houve intenção de fazer qualquer comparação. Apenas me lembrei de como as coisas acontecem aqui e ali.

Mas, já que fui provocado, devo dizer que, pelo menos no que diz respeito à beleza natural, a nossa modesta pista de caminhada dá de 10 a 0 no Jardim das Tulherias!!!

Pista de caminhada do Bairro Feliz, Goiânia

Pista de caminhada do Bairro Feliz, Goiânia

quinta-feira, 20 de março de 2014

O Bairro Feliz em Goiânia e o Jardins das Tulherias em Paris
Passeava pelos Jardins das Tulherias, admirando as muitas estátuas colocadas por toda parte, quando percebi que os turistas andavam e os franceses corriam.
Os turistas cobriam-se de casacos para passear e os franceses vestiam um moletom para fazer os exercícios aeróbicos.
Talvez por estar fazendo uma temperatura baixa (8º C), os turistas preferiam se encasacar e os franceses correr, independentemente da idade.
Na pista onde eu faço caminhada em Goiânia, a correlação é outra: os turistas não andam nem correm (pelo fato de não haver turista onde eu caminho), os jovens correm e os de mais idade andam. Eu ando devagar. Não é isso o que eu notava ali. Naquele jardim, todos que estavam lá pra fazer exercício corriam.
Étienne-Martin, Personagem III (1967). Bronze patinado


Jardim das Tulherias, perto da Praça da Concórdia

terça-feira, 18 de março de 2014


A Ponte Nova é a mais antiga de Paris

Não sou arquiteto nem urbanista, mas usuário de cidade há muito tempo. Nessa qualidade, fico à vontade pra dizer que as pontes de Paris quebram a unidade arquitetônica da cidade.

Se, por um lado, a ponte une as duas margens do Sena, aproxima a vida que se desenrola de um e de outro lado do rio, por outro, a beleza de Paris, que se faz na criatividade dentro da unidade arquitetônica, se choca com a multiplicidade de estilos das pontes.

A chamada Ponte Nova (1578) se destaca na paisagem parisiense. É a mais antiga ponte cortando o Sena, muito anterior a Paris assumir seu atual aspecto.

A Ponte de l’Alma (1854-56) é harmonicamente leve e, apesar de seu projeto moderno, destoa da arquitetura parisiense.

As pontes de Paris são um fator de unidade social e urbanística ao mesmo tempo em que rejeitam o estilo arquitetônico adotado pela cidade.

A bela e moderna Ponte de l’Alma (1854-56)

Ponte Nova: a mais antiga ponte do Sena (1578)
 

domingo, 16 de março de 2014


Os franceses, a Bossa Nova e a ditadura militar no Brasil (1964)

Passei na casa da Elisa e do Marc pra ouvir o programa radiofônico organizado pela Rita, Rêveries Brésiliennes, cuja abertura é reproduzida no vídeo abaixo.
 

O interesse especial era motivado por eu ter dado entrevista à Rádio Larzac. Na edição do dia 18 de fevereiro, nós conversamos sobre a implantação da ditadura militar no Brasil e sobre as primeiras reações populares. No programa do dia 25, o assunto, entre vários outros, foi a minha experiência de prisão e a decadência da ditadura. No terceiro programa da série, eu li um trecho do livro Desesquecimentos. A expectativa também existia pra ouvir as belas canções daquele momento.

Você pode ouvir os programas aqui: Rêveries Brésiliennes. A bossa nova está em gravações originais e a conversa, com meus comentários sobre aquele triste momento da realidade brasileira, em francês, com exceção do trecho do livro que eu li em português e a Rita fez a gentileza de traduzir.
 
Programa interessante, vale a pena dedicar um tempinho pra ouvi-lo.

sexta-feira, 14 de março de 2014


Se a vida é um sonho, melhor sonhar no Jardim do Luxemburgo

O mergulho no Renascimento e na penumbra do Museu me fez sentir toda sensualidade de estar ao ar livre, em pleno Jardim do Luxemburgo, com o vento suave e frio me trazendo pro século XXI.

O que sempre me deixa admirado em Paris são os grandes espaços abertos em plena área urbana, e o Parque do Luxemburgo é um bom exemplo. As laterais do parque não estão ao alcance da vista por causa da densa e alta vegetação.

A sua extensão maior vai do Palácio do Luxemburgo, onde funciona o Senado, até a Fonte das Quatro-Partes-do-Mundo. É uma extensão mineralizada, com chão batido (cascalho), lagos e estátuas. Estando próximo do Palácio não é possível identificar o que a vista alcança, tal é a distância.

Sonho bom é a sensação de liberdade que a ausência de limites desperta.

O Jardim do Luxemburgo: apresentação e boas-vindas

O Palácio do Luxemburgo

O Jardim do Luxemburgo: um espaço aberto no centro de Paris

quarta-feira, 12 de março de 2014


A aurora e o despertar

Com a chegada da alvorada, a Aurora, irmã da Lua e do Sol, vai abrir a passagem do mundo obscuro e turvo ao mundo luminoso.

Em Homero, a deusa se colore de rosa e de açafrão: Battista Dossi se lembra desse cromatismo quando ele a representa no momento preciso em que ela libera os cavalos de Apolo e se apressa em repintar o céu.

A razão apolínea ainda não retomou seus direitos: o mundo situa-se no espaço entre os dois momentos.

Se o sono está próximo da morte, o despertar deveria ser uma ressurreição. Com ele, voltam, em princípio, a disciplina e o controle de si, o domínio lógico e a razão.

Entretanto, sérias dúvidas subsistem...

Por um lado, porque certos despertares são perigosos, tal como o de Eros queimado, em plena noite, pela lamparina de Psiquê.

Por outro lado, porque não é certo que o despertar nos acorde: é possível que a vida inteira seja um sonho, e que nós sejamos feitos do mesmo tecido dos sonhos (Museu do Luxemburgo, O Renascimento e o sonho).

Battista Dossi, Manhã: A Aurora e os cavalos de Apolo (1544)

segunda-feira, 10 de março de 2014


O mistério da Santíssima Trindade

Enquanto santo Agostinho passeia em uma praia, refletindo sobre o mistério da Santíssima Trindade, aparece uma criança que usa uma colher para transferir as águas do mar para um pequeno buraco.

Quando o bispo de Hipona mostra-lhe o absurdo da empreitada, o menino responde que é um desatino ainda maior querer fazer entrar no pequeno cérebro do homem o imenso mistério da Santíssima Trindade (Museu do Luxemburgo, O Renascimento e o sonho).

Botticelli, A visão de santo Agostinho (1487-8)

sábado, 8 de março de 2014

A vida é um sonho enganador, que o sopro divino dissipa

Como numerosos outros desenhos, gravuras, pinturas e cerâmicas, esta obra de um anônimo, O sonho, retoma um célebre desenho de Michelangelo.

Um anjo, descendo sobre um vigoroso jovem, apoia sobre sua fronte – sede da imaginação – uma grande trombeta.

Acordando o jovem adormecido, o anjo retira-o das tentações vaporosas dos pecados capitais, simbolizados por sete máscaras, e dos caminhos da Sorte, representada por uma esfera sobre a qual o jovem se apoia.

Em uma perspectiva neoplatônica, a vida humana é percebida como um sonho enganador, que o sopro do mensageiro divino dissipa (Museu do Luxemburgo, O Renascimento e o sonho).

Anônimo, inspirado em Michelangelo, O sonho (meados do século XVI)

Francesco del Brina (?), inspirado em Michelangelo, O sonho da vida humana (segunda metade do século XVI)

quinta-feira, 6 de março de 2014


A vida é um sonho

O desenho de Michelangelo que se intitula O sonho ou Alegoria da vida humana, conservado no Courtauld Institute de Londres, conheceu um notável sucesso iconográfico.

Ele foi inspirado por uma composição poética de Pic de la Mirandole, convidando o homem a se desligar dos prazeres carnais e a se desenraizar do sonho terrestre para dirigir seu olhar ao céu puro, onde o espera a felicidade de um eterno estado de vigília (Museu do Luxemburgo, O Renascimento e o sonho).


Alessandro Allori, inspirado em Michelangelo, O sonho da vida humana (c. 1570-5)

terça-feira, 4 de março de 2014


Michelangelo

Michelangelo inspirou a maioria das obras do Renascimento sobre o tema da noite e do sonho.

A ideia central gira em torno de alguns pontos. A Noite está acordada e atenta. Seu olhar volta-se para o interior. Seus olhos são fechados mas férteis.

A noite não é simples ausência de dia: ela redistribui as formas, chama outras cores e cria uma outra luz (Museu do Luxemburgo, O Renascimento e o sonho).

domingo, 2 de março de 2014

O sonho é espaço de liberdade

Para François I de Médici, grão duque de Toscana, príncipe sonhador, a noite exerce uma verdadeira fascinação: ela é o espaço-tempo que permite se projetar, através do sonho, em uma outra experiência mental e existencial, endossar identidades diferentes e realizar assim numerosas experiências fantásticas.

O sonho como espaço de liberdade e de criatividade impregna simbolicamente as obras, os lugares e os momentos que são particularmente caros a cada um (Museu do Luxemburgo, O Renascimento e o sonho).