domingo, 19 de abril de 2015


A dengue e a cidadania

A Folha de São Paulo publicou hoje uma reportagem sobre a ação exitosa de quatro cidades que têm baixo índice de dengue. Por uma questão de reconhecimento, ficam aqui registradas as cidades: Barra do Chapéu, Monteiro Lobato, Timburi e Torre de Pedra. Além de muita criatividade para combater a proliferação do aedes aegypti, o mosquito transmissor da dengue, essas cidades exercitam um elemento em comum que é o apoio dos moradores.

No final do século passado, havia uma campanha de conscientização, do qual participei, que dizia basicamente “Educação: direito de todos, dever do Estado”. O mesmo se passava com a saúde. Era um momento em que as pessoas começavam a tomar consciência de que saúde e educação não se reduziam a ser um problema particular, mas que o Estado devia se comprometer e assumir.

Foi importante e hoje não se tem mais dúvidas da responsabilidade do Estado no que diz respeito a esses assuntos, sendo que a lista se ampliou, abrangendo segurança, transporte e outros. A tendência ruim, no entanto, é se cair no extremo oposto e achar que o cidadão tem somente a responsabilidade de escolher certo os seus representantes e depois cobrar deles as medidas necessárias, ficando isento de participação. Delegar e cobrar é meio caminho. O quadro fica melhor com os termos: delegar, cobrar e participar.

A complementação entre a autoridade e o cidadão já é conhecida desde a Antiguidade grega, mesmo que os conceitos naquela época fossem elaborados utilizando a forma poética. A luta dos Olímpicos (as autoridades na cultura grega, berço do mundo ocidental) contra os Gigantes (o inimigo, as forças retrógradas) foi contada sob forma de poema por Píndaro. Para um Gigante morrer (a dengue em nossa realidade) era preciso que se preenchesse uma condição: que um Olímpico (uma autoridade) e um mortal (um cidadão) ferissem o inimigo ao mesmo tempo.

Por que essas quatro cidades de São Paulo têm conseguido se impor sobre a dengue? Os moradores participam, informam as autoridades sobre água parada, fazem arrastões públicos, se ocupam da limpeza dos quintais. Eles não resolveram todos os problemas, dos quais o que mais agride essa postura de participação são as casas de veraneio, longe do alcance dos cidadãos e das autoridades.

Essa postura cidadã de participação contra a dengue é sintetizada por Lissandra de Araújo, diretora local da Vigilância Municipal de Barra do Chapéu que diz: "É uma ação conjunta para combater o mosquito da dengue. Se um lado falhar, pode haver problema".

sábado, 18 de abril de 2015


As “pedaladas” do governo

É uma enrascada depois de outra, em uma alucinante sucessão de coisas ruins. Agora, as “pedaladas fiscais” entraram na ordem do dia.

Antes o Banco Central já havia advertido que as despesas do governo não podiam ser adiantadas pelos bancos oficiais (BB, BNDES e Caixa), mas que primeiro o executivo, por meio do Tesouro, devia repassar o dinheiro para que os bancos pudessem fazer os pagamentos relativos aos programas de inclusão social como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida e aos benefícios sociais como o seguro-desemprego.

Agora, o TCU considerou as “pedaladas” irregulares, com risco de não aprovar as contas do governo. O governo “pedalava” quando mandava pagar e não repassava o dinheiro (para não aumentar o excesso da despesa em relação à receita).

Isso tudo foi feito em ano eleitoral (2014). Por um lado a propaganda eleitoral divulgava a imagem de que o Brasil era o melhor dos mundos. Por outro lado, para não mostrar o contrário, o governo escondia que tinha gastado além da conta (claro, era ano eleitoral...) e não tinha mais dinheiro para pagar os compromissos sociais, vitrine do governo que queria se reeleger.

Esse é só mais um exemplo do que Dilma disse: "a gente faz o diabo pra ganhar as eleições".

sexta-feira, 17 de abril de 2015


Impeachment ou não impeachment: eis a questão

Quem chegou até a situação de deputado federal é uma pessoa esperta. Claro que, além de esperto, todos gostaríamos que ele fosse honesto. Sem dúvida. Mas não é sempre que isso acontece, como a gente lê nos jornais todo dia. Sou um leitor de jornal que se preocupa com o que se passa na política, tento entender o que se passa e descobrir o rumo dos acontecimentos.

Analisando espertamente as questões em jogo quando o assunto é o impeachment da presidente, cada ator em cena tira suas próprias conclusões, se apoia ou não. Por que Aécio não apoiava e agora apoia, desde que apareça algum crime que ela eventualmente tenha cometido? Fica difícil entender essa mudança de posição. Se o PT sair do governo agora, ele passa para a oposição, denuncia a péssima situação econômica pela qual o Brasil está passando (como se não tivesse nenhuma responsabilidade sobre a situação atual), promete a volta aos bons tempos do Lula e terá mais chance em 2018. Se o PT permanecer no executivo, ficará “sangrando”, como disse um expoente do PSDB. Nesse caso, ficaria mais fácil para Aécio ganhar as eleições.

Gilberto Carvalho disse que Aécio só apoia o impeachment por causa das demandas dos manifestantes e da opinião pública favorável. É possível que Carvalho tenha razão. Mas ele critica Aécio por ser “oportunista” (só apoia o impeachment para se ver identificado com o eleitor), quando efetivamente não há nada criticável no fato de o político ouvir e representar os eleitores.

Por outro lado, é mais difícil saber por que o Eduardo Cunha é contra o afastamento de Dilma, se quem assumiria seria o Vice, do mesmo partido do presidente da Câmara. O PMDB é um partido múltiplo, com tendências que coexistem mais ou menos pacificamente, mas com muita disputa interna. Temer, com muito malabarismo, consegue uma unificação instável. Ao que tudo indica, os interesses políticos de Eduardo Cunha são diferentes dos do presidente do PMDB, e ele talvez não vá se beneficiar com o afastamento da presidente.

É uma esperteza contra outra, mas ser esperto é próprio do político.

segunda-feira, 13 de abril de 2015


Chegamos aqui trazidos pela propaganda enganosa: e para onde vamos?

Cálculos mais ou menos oficiais (não foi em toda cidade que a PM fez uma avaliação) falam em mais de oitocentas mil pessoas nas ruas. Se esse número é bem menor do que o de manifestantes em março, não se pode dizer que é pouca gente. O dado mais importante porém é o da última pesquisa Datafolha que aponta um apoio de 75% da população às manifestações. O aumento do número de pessoas que apoiam os atos comparado com o menor número de pessoas que se mobilizaram para ir às ruas neste domingo evidencia algo que só pode ser compreendido com outro alto índice: o de pessoas que querem, mas não acreditam que o impeachment será levado adiante. Se não vai dar certo, por que ir às ruas?

A grande incógnita, presente nas duas últimas grandes manifestações, é o rumo que a insatisfação pode tomar nos próximos meses. Está evidente que o movimento vive um impasse; na mesmice em que se encontra, não vai avançar. Em situações históricas talvez semelhantes, o desdobramento de um movimento aparentemente sem saída alimentou tendências opostas que, de um modo geral, assumiram o desânimo ou a revolta. Para o governo é mais interessante o desânimo do que a revolta, e é por isso que todos os porta-vozes oficiais, inclusive Dilma, insistem que o movimento pacífico é democrático, mas que a violência não será tolerada. Sendo de esquerda (???), a presidente sabe que a violência é parteira da história (Engels). E, se houver parto, nascerá uma situação da qual a presidente atual não fará parte.

A insatisfação com esse governo é alta. Apesar de Dilma ter abandonado a reclusão pós-eleitoral, sua presença recente na mídia não mudou o índice de rejeição do governo, que permanece no patamar de 60% (ruim ou péssimo). A ideia falida é a de que discursos mudam a realidade. Mas o fato é que mil palavras associadas a mil minutos de exposição não vão melhorar o índice de inflação nem a oferta de emprego! Mas esse governo chegou aí trazido pela publicidade, então eles acham que a publicidade milagrosa resolve tudo!

Afora a visão artificialmente otimista do governo, os economistas dizem que 2015 vai ser ruim e 2016 ainda está cedo para se prever alguma coisa com alguma chance de certeza. Como está claro que o mundo das maravilhas apresentado pelo PT durante a campanha presidencial era propaganda enganosa, e como a situação econômica tende a piorar até o final do ano, o descontentamento pode criar desesperança, desilusão, desencanto, ou, por outro lado, pode assumir a forma de revolta. Revolta contida, desorganizada, radical, revoltinha, revoltona: ainda não dá para saber. Vai depender da alternativa que se apresentar para os descontentes. O governo e o PT não têm alternativa aceitável no curto e no médio prazo. Os políticos melhoraram um pouco na avaliação sobre a confiança da população, mas ainda não há uma voz que canalize o descontentamento público. Por outro lado, os black blocs estão sumidos e calados, mas a esquerda radical e silenciosa pode começar a fazer barulho de repente.

sexta-feira, 10 de abril de 2015


O povo é o dono, mas não pode saber de nada!

Ontem, novamente, ouviu-se a ladainha de que o governo sofreu mais uma derrota com a quebra de sigilo do BNDES. As explicações para a derrota também seguem as ladainhas de sempre: a base aliada está desorganizada, o novo coordenador político ainda não tomou pé da situação, o PMDB isso e aquilo...

O pressuposto não declarado é que a base aliada deve aprovar tudo o que for do interesse do governo (independente da análise de conteúdo) e rejeitar tudo que for contrário.

O deputado da base aliada não tem direito de pensar diferente do governo, de emitir juízo de valor independente, de avaliar as questões em função dos compromissos que ele assumiu com seus eleitores. Nada além nem nada aquém das determinações do Planalto.

Do ponto de vista do executivo, aferrado que está ao modo tradicional de pensar a estrutura política no Brasil, o modelo de Estado centralizado também é inquestionável, tratando em termos de correlação de forças aquilo que é constitucionalmente definido como estrutura de funcionamento da República.

Quem questiona o modelo centralizador é considerado inconfiável e passível de punição. Quem acata este modelo é uma pessoa normal.

É sintomático o que se passa com o BNDES. Trata-se de banco público, dinheiro público, patrimônio público. Mas o público não tem o direito de saber quais são suas opções e decisões mais importantes. Nem mesmo o Congresso tem esse direito. E a base aliada deve (segundo o Planalto, de acordo com a prepotência do executivo) apoiar a negação desse direito e impedir a quebra de sigilo do banco. É por isso que os deputados, por 298 votos contra 95, aprovaram uma emenda a uma medida provisória derrubando o sigilo dos financiamentos do BNDES.

Aplausos, mas não para a derrota do executivo. Aplausos para a vitória do equilíbrio dos poderes, aplausos para a quebra de um sigilo indecente.

A decência, neste caso, está na nudez. Que o BNDES se mostre em todo seu esplendor e em toda sua miséria!

quinta-feira, 9 de abril de 2015


Pacificação ou novo patamar de equilíbrio?

De repente, fiquei sem saber se Temer é negociador do Planalto junto ao Congresso ou se é negociador do PMDB frente à Dilma. Ele está levando um conjunto de reivindicações do partido, do seu partido, para negociar com a Presidente, tendo o intuito de pacificar as relações. Está parecendo que, como negociador, Temer é representante do seu partido no Planalto.

Claro que é de interesse do Planalto o bom entendimento com o PMDB/Congresso. Tem gente com saudades do tempo em que o Congresso concordava por antecipação com as iniciativas do executivo.

Com essa independência do Congresso, tem aparecido a discussão se estamos caminhando para o parlamentarismo. No fundo, nem um pouco. O que estamos presenciando é a afirmação da autonomia e independência dos poderes. É comum achar essa nova situação estranha, porque não estamos acostumados com isso. A história do Brasil sempre nos mostrou um Estado forte e centralizado em torno do executivo. Mas as coisas estão mudando. O desequilíbrio que pendia para o executivo foi quebrado de maneira espetacular com o julgamento do Mensalão, quando o judiciário julgou, independentemente dos interesses do executivo.

Esse equilíbrio tradicional (o desequilíbrio), com a preponderância do executivo sobre os demais poderes, está sendo reorientado para um equilíbrio de fato, em que cada poder exerce suas funções constitucionais sem invadir as prerrogativas dos outros. Como é o PMDB que está tomando a iniciativa dessa inflexão, para que o país passe a uma nova etapa de sua história, vai ser preciso uma postura republicana de todas as partes, especialmente do PMDB, sem a qual a nova ordem pode tornar-se desordem.

Então não se trata de pacificar, mas de aceitar e mesmo cultivar o respeito ao equilíbrio entre os poderes.

quarta-feira, 8 de abril de 2015


Não acredito

Não foi um convite, mas um apelo (dramático?) o que a presidente fez ao Michel Temer para que ele assumisse a coordenação política do governo, diante da presente catástrofe nas relações entre o Planalto e o PMDB/Congresso. O Vice, com a esperteza que só o presidente do PMDB é capaz de ter (ser presidente do PMDB não é para qualquer um), foi logo adiantando as condições: não queria acumular funções (a de Vice e a de Ministro), não só para não se colocar em uma posição ambígua como principalmente para não assumir uma posição subalterna ao Ministro-chefe da Casa Civil Aloizio Mercadante. Nessa hipótese ele não conseguiria articular nada com o PMDB.

Em contrapartida, aumentando os poderes da Vice-presidência, ele teria condições de ser bem visto pelo Congresso, condição de êxito de qualquer negociação e parece que ele já conseguiu um consenso mínimo em torno da espinhosa questão das despesas do governo: os líderes do Congresso se dispuseram a fazer um esforço para evitar medidas que aumentem os gastos do governo.

Que Temer é um ótimo negociador não há dúvida. A questão que ainda está indefinida é se, com o novo articulador do Planalto, o PMDB vai se acalmar e passar a dar moleza para a presidente. Se é verdade que a motivação dos presidentes das casas do Congresso gira em torno de questões que estão fora do Congresso (abafar as notícias desagradáveis da operação Lava Jato e preparar o PMDB para concorrer à presidência em 2018), não acredito em pacificação.